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segunda-feira, 10 de maio de 2010

A "Copa do Mundo" é nossa?

Alexandre Lessmann Buttazzi*

“A taça do mundo é nossa
Com brasileiro não há quem possa
Êh eta esquadrão de ouro
É bom no samba, é bom no couro”

Não há qualquer indício, nem mesmo seria uma conduta esperada na época, que os autores da consagrada marchinha que embalou a Seleção Brasileira rumo ao seu primeiro título mundial, em 1958, tenham optado por utilizar a expressão “A taça do mundo é nossa”, em vez de empregar, talvez como hoje soasse mais natural, a frase “A copa do mundo é nossa”, em virtude do receio de sofrer, por iniciativa da FIFA ou da então Confederação Brasileira de Desportos, antecessora da CBF, algum tipo de sanção, financeira ou criminal.

Ocorre que os tempos são outros. A seleção não é mais a de Gilmar, Didi, Pelé, Garrincha e companhia. Não se “amarra mais cachorro com lingüiça”! Ao longo dessas cinco décadas, as marcas – sim, “Copa do Mundo” é uma marca, registrada no INPI em nome da FIFA – ganharam importância fundamental na sociedade de consumo, graças a isso merecendo, do Estado, mais intensa proteção.

Obviamente que a ilicitude, hipoteticamente vislumbrada na citação de determinada marca numa produção intelectual, sem conotação comercial direta e prejuízo para seu caráter distintivo, é altamente discutível (cf. Lei 9.279/96, art. 132, IV). No entanto, é bom ficar alerta.

A Constituição Federal de 1988 conferiu caráter fundamental ao direito à propriedade das marcas, em vista do interesse social e da repercussão no desenvolvimento econômico do país (CF, art. 5º, XXIX).
Além do uso e fruição, a Lei de Propriedade Intelectual (Lei 9.279/96) garante ao titular da marca o direito de zelar pela sua integridade material ou reputação (art. 130, III), inclusive tipificando a conduta de reproduzir marca registrada sem autorização ou imitá-la de modo a induzir confusão, prevendo ao infrator a pena de detenção de três meses a um ano e multa (art. 189, I).

Vale dizer, todo aquele que, desautorizadamente, utilizar ou reproduzir a expressão “Copa do Mundo” ou qualquer outra marca, insígnia, símbolo ou congênere ligado ao evento com fins comerciais, poderá ser responsabilizado criminalmente e também sofrer sanções civis inibitórias e indenizatórias, de natureza moral e material, por dano emergente e também pelos lucros cessantes. No caso das indenizatórias, vale ressaltar que podem gerar ações por dano emergente, relativas ao passado, ou lucros cessantes, aquilo que o titular deixar de auferir em conseqüência da infração.

Tudo potencializado pelas cifras milionárias envolvidas no espetáculo. Empresas transnacionais desembolsam altíssimas quantias para vincular as suas respectivas imagens ao evento em si e às suas marcas genericamente consideradas, de modo que, eventualmente não sendo o infrator advertido pela FIFA ou pela CBF, seguramente o será, provavelmente com ainda mais severidade, pelas sociedades empresárias licenciadas. Estas, em caso de comprovados prejuízos, poderão dele reclamar polpudos ressarcimentos.

Nas Olimpíadas não é diferente. “Olimpíadas”, “Paraolimpíadas”, “Jogos Olímpicos” e “Jogos Paraolímpicos”, bem como as “bandeiras”, os “lemas”, os “hinos” e os “símbolos” relacionados às duas competições, conforme expressamente previsto na Lei Pelé (Lei 9.615/98, art. 15º, § 2º), são de uso privativo do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e do Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPOB).

Tamanha é a preocupação do Estado Brasileiro com o respeito às marcas que, para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, foi promulgada a Lei 12.035, de 2009 (o “Ato Olímpico”).

Entre outras prescrições, a nova lei determinou que “As autoridades federais, no âmbito de suas atribuições legais, deverão atuar no controle, fiscalização e repressão de atos ilícitos que infrinjam os direitos sobre os símbolos relacionados aos Jogos Rio 2016” , vedando terminantemente a sua utilização desautorizada, “para fins comerciais ou não” , bem como proibindo – e aí reside uma novidade preocupante – o emprego de termos e expressões que, “... apesar de não se enquadrarem no rol de símbolos mencionados nesta Lei, com estes possuam semelhança suficiente para provocar associação indevida de quaisquer produtos e serviços, ou mesmo de alguma empresa, negociação ou evento, com os Jogos Rio 2016 ou com o Movimento Olímpico” .

Em suma, nem a “Copa do Mundo”, tampouco as “Olimpíadas” são nossas. Isto em vista, seguir o exemplo dos mais antigos e naturalmente mais sábios parece ser um bom caminho. De minha parte, pelo menos, continuarei com “A taça do mundo é nossa, com brasileiro não há quem possa, êh eta esquadrão de ouro, é bom no samba, é bom no couro”...

*Alexandre Lessmann Buttazzi é advogado sênior da área cível do Peixoto e Cury Advogados. Formado na FMU e pós-graduado em Direito das Relações de Consumo pela PUC-SP. – alexandre.buttazzi@peixotoecury.com.br

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